Antes de responder a esta pergunta necessário entendermos o que é mandato.
“Mandato (do latim mandatum, de mandare, composto por manus, 'mão' + dare, 'dar': 'dar na mão', no sentido de confiar, encarregar, ordenar, mandar; em direito público, é a delegação conferida a determinadas pessoas, para que representem o povo nas instituições. Quem recebe o mandato é chamado 'mandatário'.Por extensão, o termo designa também o período de exercício de um cargo eletivo[1]”.
Tem relação, portanto, com data, prazo, vigência.
Todos os que cumprem mandato, seja por eleição ou nomeação, o fazem por um período previamente estabelecido seja em lei, por exemplo o Presidente da República, Prefeitos e demais cargos públicos ou em instrumentos particulares como é o caso das convenções para os condomínios e dos estatutos para as associações.
No caso dos condomínios, o artigo 1.347 do Código Civil prevê expressamente que será eleito um síndico com mandato não superior a 02 anos. Este prazo poderá ser menor, mas nunca maior. A maioria das convenções preveem o prazo determinado de 02 anos e não de ATÈ 02 anos. Todavia, o prazo de exercício do mandato deverá constar expressamente da convenção (artigo 1.334, II e III, Código Civil).
Atuando por mais de 24 anos com condomínios e loteamentos deparei raras vezes com convenção/estatuto que previsse prazos inferiores aos 02 anos para os mandatos de seus representantes legais, mas como dito, elas poderão assim determinar. Os estatutos igualmente preveem o prazo de duração do mandato de seus presidentes, conforme artigos 54, VII; 59, 60 todos do Código Civil.
Entendido o conceito de mandato, fica fácil concluir que o “mandato tampão” não tem previsão legal, não existe na nossa legislação sendo fruto de uma criação do mercado, principalmente o condominial.
Segue essa mesma linha da crença de que para ser ajuizada a ação pelo não pagamento das cotas condominiais precisa ser devedor de 03 delas e alguns até afirmam que devem ser consecutivas. Lenda do mercado!
Para ser devedor basta estar em mora (atraso) de uma cota para que o credor, condomínio, possa exercer seu direito de cobrá-la, porque a lei diz que o condômino deve pagar a sua cota parte no rateio das despesas (artigo 1.336, I do Código Civil) e que o síndico tem o dever de cobrá-las (artigo 1.348, VII do Código Civil), sem qualquer exigência de quantidade.
Neste contexto, o Código Civil previu o prazo máximo para a duração do mandato de síndico e não determinou que caso ele não seja concluído, o próximo a ser eleito exercerá o cargo pelo tempo restante, “tapando” a vaga.
É provável que alguém diga que se a “lei não proíbe, ela permite”, o que é outra lenda do mercado para tentar dar legalidade aos inúmeros síndicos eleitos para que cumpram esses mandatos “tampões”, já que a legislação material civil expressamente disse que o mandato será cumprido por inteiro.
Todavia, o mandato “tampão” ou pelo prazo restante ou mandato complementar para conclusão daquele primeiro prazo não encerrado poderá perfeitamente ser instituído nas convenções. Se nelas não estão, ele não pode ser utilizado. Há convenções que já estabelecem que caso o síndico seja impedido de concluir seu mandato seja substituído pelo subsíndico que assumirá o cargo pelo prazo restante que, concluído, imporá a eleição de novo representante legal pelo prazo inteiro especificado na convenção. Reparem que não há a determinação de que seja feita uma nova eleição para complemento de mandato, mas automaticamente o subsíndico assume o cargo de síndico pelo prazo faltante para concluir o mandato do seu sucedido.
Se esta excepcionalidade não constar da convenção, não poderá ser utilizada, assim como, o caso de nova eleição de síndico apenas para complementar o tempo de mandato faltante, já que são duas situações diferentes. E para que, ambas, tenham legalidade a convenção deverá ser alterada com o quórum especial de 2/3 dos condôminos (artigo 1.351, Código Civil) para que sejam incluídas cláusulas contemplando a possibilidade da eleição de síndico e/ou demais membros para o exercício de mandato tampão ou por prazo restante ou qualquer outro nome/denominação que indique que aquela eleição durará apenas para concluir o mandato em curso e não encerrado e/ou ainda para permitir que o subsíndico assuma imediatamente para concluí-lo, sem necessidade de nova eleição.
Se o síndico faleceu, adoeceu, renunciou, foi destituído, seja qual for a razão que o impeça de concluir o mandato para o qual foi eleito e a convenção não previr a possibilidade de eleição emergencial de uma novo sindico apenas para encerrar o lapso de tempo faltante ou não prever quem o sucede até que o mandato se exaura completamente (sem nova eleição, repita-se)o ato não poderá ser praticado por ausência de previsão. Assumirá o subsíndico ou presidente do conselho fiscal interinamente (provisoriamente) por pequeno período até que novo síndico seja eleito pelo prazo integral fixado na convenção.
Importantíssimo lembrar que as convocações quando pautarem a eleição de síndico, deverão fazer constar delas o período de duração do mandato para que os pretensos candidatos e os condôminos saibam dele sem qualquer dúvida.
A convocação serve justamente para que os condôminos tenham conhecimento prévio do que será discutido e eventualmente aprovado, portanto, o que consta da convocação não poderá ser modificado durante a assembleia, assim como, o que não está pautado não poderá ser objeto de deliberação.
Não se muda as regras do jogo durante o jogo!
E para finalizar temos outra lenda do mercado que é a expressão “a assembleia é soberana”. Fosse, de fato, assembleia soberana não teríamos inúmeras ações judiciais impugnando-as seja porque a pauta não condiz com o que fora decidido no seu transcorrer, porque os assuntos decididos estão em desacordo com o que pautados no edital de convocação, pela ausência de convocação de todos os condôminos ou por tomarem decisões que ferem a legislação ou a própria convenção, ainda que pautadas, dentre várias outras situações que podem implicar na sua impugnação, o que exige estrito cumprimento do regramento previsto na legislação e convenção/estatuto, visando trazer cada vez mais segurança aos atos praticados.
[1]Advogada atuante desde setembro/1996 (graduação – FADAP, Faculdade de Direito da Alta Paulista, 1995); Pós-graduada e especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD, 2011); Pós-graduada e Especialista em Direito Imobiliário pela PUC-MG (2022); Inúmeros cursos de especialização e participação em simpósios e congressos realizados nas áreas de direito civil, processo civil, imobiliário e condominial ministrados pela Universidade SECOVI, Instituto Brasileiro de Processo Civil (IBDP), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Escola Superior de Advocacia (ESA) Escola Paulista de Direito (EPD), Damásio Evangelista de Jesus, Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), dentre outros. Ministrou cursos na área inclusive pela ESA (Escola Superior de Advocacia), subseções de Santana e Pindamonhangaba/SP.
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